PARTO PÉLVICO VAGINAL
Porque a luta pelo parto humanizado e respeito ao protagonismo da mulher é baseada em evidências científicas e não a qualquer custo!!
Texto super esclarecedor da Enfermeira Obstétrica e pesquisadora do assunto!
SOBRE PARTO PÉLVICO VAGINAL PLANEJADO E RESPONSÁVEL
1) Pode haver sim cabeça derradeira no pélvico (a cabeça ficar presa) - principalmente se o parto for atendido em posição ginecológica com as manobras tradicionais que incluem bastante manipulação do bebê no canal de parto. Existem manobras para tentar corrigir uma cabeça "enroscada" nessa assistência tradicional e existe também um fórceps para ...isso. Quem atende o parto pélvico (planejado ou emergencial) precisa saber fazer essas manobras, nem que sejam as tradicionais. E existe o protocolo de atender em 4 apoios, com manobras novas, propostas e/ou divulgadas pelo obstetra Frank Louwen e parteiras Jane Evans, Gail Tully, Betty-Anne Daviss, eu mesma e outros aqui no Brasil. Nesta situação, com a mulher em 4 apoios e com alguém QUE SAIBA fazer as manobras, é muitíssimo improvável (mas não impossível) ocorrer cabeça derradeira.

2) Pélvicos planejados precisam ser a termo (não podem ser prematuros), tem que ter peso adequado pra idade gestacional (não podem ser restritos) e peso acima de 2500g na maioria dos protocolos que falam sobre isso. O prematuro e o restrito tem maior risco de passar o corpo e não a cabeça, além de começar a nascer antes do fim da dilatação. E, então, seria uma indicação de cesárea. Se é uma emergência e está nascendo, não tem jeito, aí atende-se, né? Mas o risco é consideravelmente maior.
3) O modo nádegas (a bunda vindo na frente) é o mais comum e também o com menos riscos. Se vem o pé na frente, joelho, qualquer coisa que não a bunda, tem mais risco de distócia e de precisar de manobras, demorar a nascer e o bebê nascer pior. O próprio Professor Frank Louwen diz que um profissional deveria atender pelo menos uns 100 partos pélvicos em modo nádegas antes de atender um podálico planejado, para ter tido a chance de resolver várias vezes distócias do modo nádegas, fazer as manobras e se sentir confiante antes de planejar um podálico ou outros modos que não nádegas. E não existe no país profissional que já atendeu 100 partos pélvicos modo nádegas na assistência em 4 apoios, posso afirmar sem medo de errar. Então, seria bem prudente considerar uma cesárea ou discutir a fundo com seu cuidador o tamanho da experiência dele nas manobras, caso seu bebê esteja em outra posição que não com a bunda na frente entrando na pelve.
4) Todo parto vaginal pélvico tem compressão de cordão, pois como o cordão sai na frente da cabeça, ele fica pressionado, como se fosse um prolapso de cordão mesmo. Isto resulta que os bebês pélvicos têm mais chance de nascer com Apgar baixo e precisar de reanimação (manobras para começar a respirar), independente do quão experiente seja o profissional de obstetrícia atendendo. Quem opta por um parto pélvico (ou ele simplesmente acontece sem planejamento) precisa saber disso. Os bebês nascem com frequência mais molinhos e precisam mais de reanimação. Precisa ter um pediatra neonatologista treinado e afiado em reanimação na sala de parto. Uma boa razão para NÃO PLANEJAR PARTO PÉLVICO DOMICILIAR. E pra escolher um neo maravilindo para atender seu bebê se precisar. Na imensa maioria das vezes, dá pra saber na gestação se está pélvico e tomar decisões de antemão. Em um parto domiciliar planejado, às vezes acontecem surpresas (eu mesma já tive), mas se está em fase ativa, dá tranquilamente para transferir e nascer no hospital (se tiver equipe treinada) ou optar por uma cesárea. Se chegar e estiver nascendo, uma equipe de parto domiciliar ***TERIA QUE*** ter treinamento para atender pélvico emergencial, pois apesar de raro pode acontecer. E diante do acontecimento não dá para simplesmente não saber o que fazer. Pergunte isso para sua equipe. Pélvico surpresa é uma situação de urgência e idealmente seria necessário ter alguém treinado para atender em qualquer situação de parto (casa, hospital, casa de parto etc.).
5) Parto pélvico precisa de treinamento e atualização constante. Oficinas, cursos, simulações. Por quê? Porque só 3% dos bebês chegam a 37 semanas pélvicos. Destes, as mães com frequência vão tentar VCE e tudo mais pra virar ou optar por uma cesárea. Então, vai ser raro alguém dizer que atendeu muito pélvico, atende toda hora. Então, pergunte pro seu profissional, caso esteja planejando um pélvico, qual o tamanho da experiência, quantos cursos fez, quando fez, onde fez. Porque o fator principal para um pélvico planejado ter seus riscos minimizados (zero nunca será) é um profissional experiente e bem treinado. Planejar chegar parindo em qualquer emergência é loucura. Se vocês vissem o que fazem com pélvico no desespero em maternidades comunzonas, vocês entenderiam porque é que acontecem esses casos bizarros que saem na mídia de cabeça derradeira, óbito, degola... É um escândalo e um horror.
6) Pélvico tem maior risco mesmo nascendo de cesárea. A extração do pélvico na cesárea é difícil também, com frequência, precisa de bastante manipulação do bebê. Então, é uma situação desafiadora seja lá qual for a via de nascimento. Ilude-se quem acha que a cesárea é necessariamente mais fácil e segura. É complicada também, pela posição. A diferença é que cesárea a galera sabe fazer com o pé nas costas, porque é o que mais faz um obstetra brasileiro na vida. Então, o profissional tem mais segurança naquilo, tem mais controle. Pélvico vaginal tem profissional com 30 anos de carreira que nunca nem viu um. Ou só viu esses horríveis do plantão.
7) Sobre DCP, que é a situação da cabeça ser maior do que a pelve/passagem, ela é rara mesmo nos cefálicos. A questão no pélvico é que no modo mais comum (bunda na frente) se o bebê for a termo e tiver peso adequado pra idade gestacional, o que passa primeiro na pelve materna é o conjunto QUADRIL+DUAS PERNAS, cujo diâmetro é maior do que o da cabeça. Se a bunda passar com duas pernas juntas, a cabeça passará. Não se pode afirmar isso dos prematuros e restritos (que o corpo é magro e desproporcional à cabeça grande e ainda, por serem menores, podem acabar começando a nascer antes do fim da dilatação, ficando presos no colo). Se sai uma perna na frente, há risco maior de precisar de manobras, porque estes bebês rodam de forma diferente, e podem "enroscar" em partes da pelve materna com mais facilidade. Isso é um resumo bem simplificado, mas a mensagem do dia é que a preocupação maior sobre DCP e cabeça derradeira, SE HÁ UMA EQUIPE TREINADA E EXPERIENTE PRESENTE QUE SABE DIAGNOSTICAR E RESOLVER COMPLICAÇÕES, é com pélvicos que são prematuros e/ou tem peso restrito ou ainda nos com posição desfavorável em razão de não ser a bunda que vem primeiro.
8 ) Sobre hands off, é a assistência que pressupõe que o profissional coloque a mulher que tem um bebê pélvico em 4 apoios e não toque no bebê (nem pra segurar ou conter a saída, nem pra nada) enquanto este bebê estiver PROGREDINDO NORMALMENTE. A assistência hands off não significa NUNCA colocar a mão no bebê, mas sim não colocar a mão no bebê desnecessariamente e saber QUANDO METER A MÃO E COMO. O profissional PRECISA saber os sinais de "distócia de ombros" do pélvico, bem como de cabeça hiperextendida/defletida do pélvico, para diagnosticar essas situações e PRECISA saber as manobras para liberar os braços, ombros, cabeça, caso eles não venham de forma rápida e progressiva mostrando todos os sinais de normalidade. Saber que é para colocar em 4 apoios e não ficar tocando o bebê é fácil, qualquer um consegue. Mas isso não faz do profissional um bom aparador de bebês pélvicos. O que faz do profissional alguém capacitado para atender pélvicos é saber diagnosticar problemas e agir rápido, com manobras adequadas. Estimativas do centro de Frankfurt (que pesquisa pélvicos vaginais na Alemanha), indicam que a cada 10 pélvicos atendidos em 4 apoios, pelo menos 2 vão precisar de intervenção e manobra. É muito. Precisa saber o que está fazendo.
9) Para finalizar, a minoria absoluta dos profissionais sabe esses sinais e essas manobras. Tipo QUASE NENHUM, se a gente pensar estatisticamente, no nível coletivo, populacional. Estou dando oficina de pélvico emergencial em vários locais do país nos últimos anos, além de no SIAPARTO, já devo ter treinado algumas centenas de gentes, além de outros "treinadores" ótimos que temos (inclusive parteiras e obstetras internacionais que vêm ao SIAPARTO todo ano falar sobre isso). Mas mesmo assim não fizemos nem cócegas nessa estatística ainda. Então, de novo, conversem aberta e francamente sobre a experiência dos profissionais que estão atendendo vocês caso desejem um pélvico vaginal e pensem 5000 vezes antes de planejar chegar parindo em algum lugar qualquer com um bebê pélvico.
Autora: Maíra Libertad, enfermeira obstetra do Coletivo de Parteiras, parteira domiciliar, trabalhando ativamente pela versão de bebês pélvicos através de exercícios nos atendimentos Alinhar e incansável no treinamento de profissionais para a assistência segura ao parto pélvico através das oficinas Levatrice e do Simpósio Internacional de Assistência ao Parto (que acontece de novo em setembro de 2018).